Este é o Kiko, a maritaca, pouco tempo depois de chegar cá em casa. No começo ele era bem sociável e cagão. Depois ele continou cagão, mas deixou de ser sociável e se tornou rabugento e mordisquento, embora não muito. Às vezes arrancava algum pedaço dos meus dedos. Poucas vezes, porém, era mais cuidadoso e só fingia que mordia, na falta de algo melhor pra fazer.
Enquanto era pequeno, não havia muitos problemas. Ele comia, jogava comida no chão e latia, que nem a Dalila, a cadela. Aos poucos, foi aprendendo a falar... primeiro chamava meu nome, mas desistiu, provavelmente depois que viu que eu não dava muita atenção em resposta. Aprendeu com minha mãe a cantar "pau no gato" (na verdade, só o fazia "miau" no final) e "kiko não lava o pé" (na verdade, só balançava a cabeça e balbuciava qualquer coisa, igual meu irmão cantando). Meu pai ensinou a fazer barulhos estranhos, como imitar patos ("quéc"). Eu ensinei a mandar beijinhos ("smac") e dar tchau (que ele dizia "tau", e levantava a pata, em saudação).
Era uma ave, na maioria das vezes, tranquila. De vez em quando imitava a Dalila latindo, igualmente desesperado, ficava de cabeça pra baixo e batia as asas. Anormal, mas ele tinha seus motivos, acho---teve as asas aparadas pra não sair voando por aí, junto com a família de Maritacas Urbanas que toda manhã sobrevoava nossa casa com seus sons ininteligíveis para nossos cérebros humanos. Seus habitats em casa eram uma pequena árvore, donde ele retirou as folhas para se movimentar sem problemas por todos os galhos, e a gaiola, onde dormia, e na qual não gostava de ficar durante o dia.
Aos poucos as asas voltaram a crescer e acabou ficando por isso mesmo. Ele dava uns vôos curtos e uma vez chegou a voar até o vizinho, do outro lado da rua, mas foi recuperado (ou capturado) de volta. Depois desse incidente parece que ele resolveu que iria ser livre, e ficou um pouco mais revoltado que de costume. Arrancou-me meio dedo (exagero) e não dava mais beijinhos de boa noite---ficava resmungando um pouco, ao invés. Mas hoje ele resolveu que seria o clarear de um novo tempo, a liberdade, enfim chegaria. Deu-me o último "tau" de manhã, aguardou estar sozinho e foi-se. Até tentaram recuperá-lo (ou capturá-lo) mais uma vez, mas ele reclamou ("ai, ai, ai!") e saiu voando por aí. Nunca pensei em ensiná-lo a dizer "adeus", mas acho q ele não ligaria muito para queimar sua mufa copienta e aprender uma palavra que só usaria uma vez. Mas é isso, Kikim, adeus---espero que você encontre o que não pudemos ajudá-lo a encontrar.